sexta-feira, 31 de outubro de 2008

La Dolce Vita

“Eu gosto de beleza. Não é culpa minha.” A frase, dita por Valentino Garavani, é emblemática e também a que dá mais sentido ao documentário sobre os últimos anos de trabalho do estilista italiano. “Valentino - O Último Imperador" (“Valentino – The Last Emperor” no original) é o filme de Matt Tyrnauer, correspondente da revista Vanity Fair, que sintetizou mais de 250 horas de gravação numa película contundente. O documentário é um retrato do homem que por muitos é considerado o último verdadeiro couturier e que ficou à frente de sua empresa por mais de 40 anos desafiando todas as regras de sobrevivência das grandes maisons de moda.

Amante do luxo, Valentino começou sua carreira em Paris como assistente de grandes costureiros. Mas foi na sua Itália natal onde adquiriu projeção internacional e foi a partir de seu encontro com Giancarlo Giametti que sua carreira deslanchou. Os dois se conheceram num café em Roma e pouco depois Giametti largou seus estudos para dedicar-se ao atelier de Valentino. A cena em que os dois estão em frente ao Café Paris seria suficiente para entender a engrenagem que os une há mais de quatro décadas: Valentino insiste que não foi ali onde se conheceram e dá sua versão dos fatos. Giametti sai de cena, deixando o astro genioso brilhar, enquanto sorri. Em outros momentos do documentário, a história se repete: Valentino questiona a escolha de cabeleireiros, a escolha do museu onde haveria uma exposição retrospectiva de seus 45 anos de carreira e, numa cena onde o diretor não ousa acatar os pedidos de desligar a câmera, Giametti e ele discutem seriamente a respeito do conceito de um dos desfiles. Giametti sabe até onde enfrentar seu sócio, e Valentino, por sua vez, sabe que pode confiar no homem que botou seu trabalho no mapa mundial da alta-costura.

Ao longo do filme a dupla sabe, também, que o reinado do costureiro parece resistir bravamente às manobras que todas as casas de moda estão adotando para sobreviver. Eles sabem que fazem o impensável para os padrões de consumo dos anos 00, têm consciência de que são a resistência. O estilo criado por ele parece estender-se a seus hábitos de vida e constatamos que a opulência permeia tudo que o cerca: seu château em Paris acolhe seus convidados, de Anna Wintour a Gwyneth Paltrow, numa festa durante a semana de moda francesa. As outras residências, entre elas sua villa italiana, seguem o mesmo padrão. É nostálgico: a costureira-chefe do atelier esbraveja a torto e a direito como uma típica nonna italiana, Valentino desenha cercado por seus cães de pedigree enquanto divaga sobre a beleza e os desejos das mulheres e garante que sabe o que elas querem, e tudo o mais ao redor do estilista parece ter parado no tempo.

A parte final do filme emociona: vemos um Valentino incansável, porém consciente de que sua filosofia de trabalho não cabe mais aqui, sendo parabenizado por um Karl Lagerfeld igualmente comovido na exposição que celebra seus 45 anos de carreira. O kaiser cochicha ao pé do ouvido: “Nós não podemos parar. O que os outros fazem não se compara ao que nós fazemos.” Mas é inevitável, e perto do desfecho Valentino anuncia sua aposentadoria.

Há dois grandes méritos no filme de Tyrnauer, sendo o primeiro o acesso irrestrito que o diretor conseguiu ao estilista e ao seu entorno e que transporta o espectador imediatamente para o mundo de sonhos de Valentino. O segundo é que ele narra a história do grande estilista ao mesmo tempo que nos dá um panorama conciso das mudanças significativas enfrentadas pela grande indústria da moda e do luxo. No grand finale, bailarinas suspensas por cabos dançam vestidas com roupas esvoaçantes e fogos estouram na frente do Coliseo, em Roma. É o começo da eternidade do último imperador.

http://www.youtube.com/watch?v=FHtomiokQ1w