quinta-feira, 27 de outubro de 2011
quinta-feira, 20 de outubro de 2011
Fashion victims
Uma das melhores coisas de trabalhar em editora é a quantidade de informação a que ando tendo acesso. Biografias, autoajuda, tudo ganha um sabor e pode ser revertido em conversas de bar e afins. Essa semana caiu nas minhas mãos um livro que me impressionou e deixou minha cabeça fritando. Como ainda não foi publicado lá fora, não posso revelar muito a respeito. Trata-se de uma extensa pesquisa sobre nossos hábitos de consumo e propõe que repensemos nossas necessidades na hora de compor nossos armários.
A autora levanta questões relevantes, que andam em pauta e que atendem, geralmente, pelo nome de “consumo consciente”. É fácil reduzir isso a máximas como “compre em brechós” ou “troque roupas com as amigas” etc. Mas as camadas da engrenagem são muito mais complexas do que apenas usar tecido de bambu pra fazer lingerie.
Quando trabalhava com estilo eu já achava todo esse papo de viscose bem esquisito. Como é que do nada todo mundo resolveu fazer malha e algodão de bambu ou eco-alguma coisa? Só porque a fonte da matéria-prima é renovável, então estamos comprando roupas “verdes”? Adianta usar fibras ecologicamente corretas se no processo de transformação, venda, costura, transporte etc. usamos rigorosamente a mesma metodologia dispensada a toda a linha de produção? Se a sacola da loja é de plástico? Ou se é de lona fabricada por chineses?
Entre mil apontamentos e dados alarmantes de todo o impacto que o fenômeno do fast-fashion causou mundo afora, a autora conta casos que parecem piada, tipo a icônica “I’m not a plastic bag”que apareceu por volta de 2007 e que gerou a febre das ecobags ao redor do planeta. Consta que a criadora da bolsa fechou acordo com uma grande rede de lojas inglesa, que vendia a mesma e a entregava às clientes após o pagamento numa sacola de plástico. Tchã nã. Além disso, sim, a sacola foi produzida na China.
Outro contrassenso é pensar que o conceito de fast-fashion é a exata antítese do conceito de estilo, e do que a moda deveria representar. Se gostamos de roupas pelo que elas expressam de nós, então a última coisa de que precisamos é cair em armadilhas do tipo “tem que ter” ou “it bag” ou “status shoes” ou whatever expressão afetada e cafona que as editoras de moda inventem. Não faz nenhum sentido cultivarmos os mesmos ícones de estilo, os mesmos desejos e andarmos todos de espadrilles nesse verão porque esse é o último grito. Seriously. Tá na hora de diferenciar moda de consumo. E parar de ler a Vogue, não só porque é ruim, mas porque a gente também não precisa da Anna Wintour corroborando para a matança de animais em nome de peças feitas com pele de mink. É o fim da picada e so last século.
Complica para o lado de quem quer consumir com mais ética. Preços altos não são sinônimos de mão-de-obra bem remunerada, o que hoje é o principal problema. Foi outro dia que um fornecedor da Zara foi denunciado por trabalho escravo. A denúncia contra as crianças que trabalhavam pra Nike tem tanto tempo que a gente nem lembra mais, e de lá pra cá, parece que tudo piorou por aí. A Nike adotou políticas e fiscalizações pra minimizar os problemas. A Gap fez a mesma coisa. Ambas toparam também um acordo de transparência com os clientes em que se comprometem a informar, fiscalizar e analisar a cadeia de produção. Complicado quando pensamos que isso envolve fábricas nos recantos mais pobres do mundo. Mais complicado ainda quando a gente sabe que muitas das "it bags" falsas que se compram por aí são peças que não passaram no controle de qualidade das próprias fábricas que as confeccionam.
Nós temos poucas ferramentas pra saber a real procedência das coisas que consumimos. Mas as notícias tristes estão por aí, dando nome e expondo diversas marcas cujo mote principal é vender a qualquer (baixo) custo. Ficar um ano sem Zara pra alimentar umbigo é fácil. A gente vai escolher qual motivo?
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