Antes de virar Fashion Rio, a semana de moda carioca acontecia numa grande tenda montada no estacionamento do BarraShopping. Dentro desta havia divisões que formavam as diferentes salas de desfiles. Já naquela época as salas tinham as arquibancadas que até hoje existem, um grande número de assessores de imprensa e o Caderno Ela fotografando os modelitos dos anônimos que circulavam nos apertados corredores.
A Mara Mac ainda era Mariazinha, Frankie ainda não era suspeito de ter assassinado Amaury (ou vice-versa), a Totem era a nova febre, Lenny e Salinas já eram as grandes marcas de moda praia (porém seus biquínis tinham preços decentes) e eu tinha convites para um dos primeiros desfiles da Santa Ephigênia porque era cliente dos tempos de Mercado Mundo Mix (quando este acontecia na Fundição Progresso).
Eu e minha irmã íamos aos desfiles e a tia Ana se encarregava de nos colocar pra dentro dos outros para os quais não tínhamos entrada. Regina Guerreiro era a mais Vip dos Vips. É mais ou menos tudo o que consigo lembrar.
Provavelmente achávamos bacana por ser um programa novo e fora do comum. Não pensávamos se o evento atraía investidores para o crescente mercado de moda, se novos criadores ganhavam visibilidade, se os modelos apresentados eram comerciais, conceituais, bem costurados, bem modelados, se as meninas eram anoréxicas, se a luz estava em sincronia com a trilha sonora. No máximo ficávamos animadas com os vestidos e biquinis bonitos que poderíamos comprar depois de alguns meses. Sim, poderíamos comprar.
Passados muitos anos, a Semana de Estilo BarraShopping virou Fashion Rio no MAM e depois na Marina da Glória. A Santa Ephigênia deixou de me enviar convites. A Lenny Niemeyer aparece num comercial de televisão dizendo que há um grande investimento no Rio de Janeiro (será?). A Salinas continua arrasando na praia, a Mara Mac no asfalto e a Totem na trilha sonora (sempre melhor que as roupas).
Minha última maratona de desfiles foi há algumas temporadas atrás quando era assistente de produção da Zizi, que tinha poderes ilimitados entre os assessores de imprensa e substituiu a tia Ana. Nessa época uma amiga cobria os desfiles com a Iesa e nos encontrávamos nos intervalos nos lounges, sempre tirando as pashiminas ou casacos que usávamos para enfrentar o frio que fazia dentro das tendas. Sabíamos a diferença entre vichy, tartan e madras. Sabíamos o que era georgette, chifon e seda estonada. Sabíamos também que a Extra teria os melhores acessórios e sandálias e que qualquer vestidinho estampado custaria tanto que não os compraríamos. Carregávamos bolsas e sacolas e cadernos que ganhávamos de brinde e sabíamos quem era quem nos bastidores do
mundinho fashion, como (irritantemente) diz a Érika Palomino.
Provavelmente achávamos bacana por ser um programa onde nos inseríamos com objetivos profissionais, onde podíamos refinar um pouco nosso olhar sobre a produção de moda no Rio, mesmo que fosse a roupa do mainstream, mesmo que fosse um jogo de cartas marcadas.
Sobre a atual e as últimas temporadas na Marina da Glória, não arrisco uma palavra. Virei uma outsider completa. Tudo o que sei é que a Beta trocou a Iesa pela Gema, um amigo desfilou pela Totem. Vi algumas fotos em sites, achei o desfile da Mara Mac deslumbrante, o da Salinas também. Li algumas coberturas e continuo achando que a maioria dos jornalistas de moda tem um tom prepotente que nos faz desistir de ler qualquer análise além da 4a linha. O que me chama mais atenção é como os corredores, agora largos e ao ar livre, viraram o centro das atenções onde os anônimos exibem suas roupas transadas e posam para lentes com a mesma desenvoltura das modelos. A passarela não é mais a estrela da festa e muitos desfiles deixaram de ser desfiles para virarem performance.
Fica a pergunta: será que mudou tanto assim?