terça-feira, 24 de maio de 2011

You know one when you see one

O meu guia era categórico: Prenzlauer Berg era o bairro dos hipsters em Berlin. Curiosa pra saber se um hipster é um hipster em toda parte do mundo, fui eu rumo ao tal bairro esperando encontrar Berlinenses em calças skinny, leggings coloridos da American Apparel, fones Marshall, óculos Wayfearer e mais todos os artefatos que caracterizam nossa noção do que se estabeleceu como hipster.

No imaginário coletivo, sobretudo entre os fashionistas, um hipster é o que se convencionou encontrar em Williamsburg: jovens de visual “engraçado” que gostam de indie rock, curtem o Dave Eggers, consomem design, cinema e moda e que negam tal denominação. Eles tem um visual meio artsy e são cercados de certa aura boemia que poderia vir do mix de um encontro imaginário entre um beatnik e um hippie. Em sua maioria, porém , os hipsters são estudantes financiados por seus pais. Ser um hipster inclui recusar até a morte tal etiqueta.

Uma rápida olhada pela Wikipedia anuncia, porém, que o termo vem dos anos 40, que tem origem nos Estados Unidos pré-Civil Rights e que estava associado aos negros e questões raciais. Como é que então a mesma palavra foi eleita para a geração dos anos 2000?

Essa e mais uma série de perguntas foi levada a uma plateia de discussão em simpósio ocorrido em 2009, na New School de Manhattan. Os condutores do estudo, que pretendia deixar para a posteridade um retrato apurado do que era o hipster na virada do milênio, além de decretar sua morte, eram os editores da revista n+1, rotulada como hipster por não-hipsters. Confuso? Ainda nem começou.

What WAS The Hipster – A Sociological Investigation é o livro que supostamente sepulta hipsters mundo afora, e onde você encontrará termos tão díspares quanto capitalismo e Belle and Sebastian, niilismo e hip-hop, entre uma série de ideias, teorias e pensamentos, algumas das quais remontam ao ensaio dos anos 50 escrito por Norman Mailer (The White Negro), onde ele estabelecia características dos então hipsters. 



Em linhas gerais e bem resumidamente, o livro (ou os editores da n+1) considera que 1999 foi um ano-chave para o estabelecimento da cultura Hipster, e que seu auge teria ocorrido entre 2002 e 2003 e que, rest in peace, o hipster teria deixado de existir ali perto de 2005. A contradição fica por conta do termo ter sido largamente adotado em escala mais popular nos anos subsequentes, mais ainda: hipsters começaram a brotar na America Latina e afins. A discussão não conclui muita coisa, pra dizer a verdade, o livro nem mesmo conclui a classificação da tribo. Todos concordam que Hipsters são jovens, que a estética hipster se propagou graças a redes sociais e blogs, que hipsters são, em termos de moda, os ditos trend-setters ou early-adopters e que usam de ironia para consumir e construir estilos, numa busca desesperada por autenticidade (o que contradiz algo, já que criou-se um estigma para o hipster). Além disso, um hipster sempre parece mais cool que qualquer outra pessoa, e abusa do adjetivo para dar importância e atribuir particularidade ao que quer que seja. “Hip”, por definição do dicionário, é algo que está na moda. hipsters, portanto, são os que anunciam tudo o que ainda vamos amar.

Após a discussão confusa e cheia de referências, fico com a sensação de que querem dar ao hipster um conteúdo que talvez ele não tenha. Tentam associar alguma ideia política ao “movimento”, bem como valores sociais que talvez de fato não façam parte da tribo. Como se agregar um conteúdo sólido ao hipster o tornasse mais palpável, amigável e aceitável. Sim, aparentemente, ninguém gosta deles, o que é bem coerente quando sabemos que nem os próprios se assumem como tal.

Por alguma lógica às avessas, eu só cruzei com alguns punks empoeirados em Prenzlauer Berg, e encontrei o tal livro num bairro vizinho, esse sim com ares de hipster-friendly. O livro é divertido em diversas passagens, e, depois de alguma pesquisa, concluí que o trecho da contracapa define, por ora, o tão investigado hipster. Ele é parte do texto de Christian Lorentzen, que começa seu discurso negando que conheça qualquer pessoa que possa ser tachada de hipster: “No member of my Family, no close friend, no enemy, no teacher, (...) no robber, no cop, no priest, no nun, no hooker, no pimp (...)” Ele se desculpa por ter escrito artigos anteriores sobre hipsters e confessa, neste, que tal tipo nunca existiu.

A parte da contracapa é a que segue: “The truth was that there was no culture worth speaking of, and the people called hipsters just happened to be young and, more often than not, funny-looking.”

::

Fernanda Brenner, artista plástica paulistana, tem uma bela série de desenhos de hipsters. Eles podiam ser encontrados na Loja do Bispo até o ano passado.

::
Ainda em Berlin, dei de cara com esse caderninho: 



::

trilha sonora sugerida -

Blossom Dearie – I’m Hip - clique aqui.

Nenhum comentário: